Em defesa da qualidade de ensino

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A ninguém é dado desconhecer que há muito tempo os governos pelos quais passamos têm seguido uma clara política de facilitação de acesso ao ensino superior com evidente descompromisso com a qualidade. Se, por um lado, há de ser sempre louvada a busca da referida facilitação de acesso ao ensino superior – haja vista a indiscutível importância para todo país que realmente se pretenda evoluído assegurar à sua população o alcançamento do degrau mais elevado do ensino –, não se pode perder de vista que a qualidade é premissa fundamental para o efetivo acesso ao conhecimento.

Nesse passo, como o conhecimento constitui-se no único e verdadeiro bem que induvidosamente se incorpora à vida das pessoas, acompanhando-as independentemente dos acertos ou desacertos cometidos ao longo das suas caminhadas, jamais se poderá permitir a qualquer governo se descuidar da condicionante inafastável de que somente com profissionais qualificados um país conseguirá seguir adiante na busca de uma evolução sustentável e verdadeira.

Por assim ser, é preciso que a sociedade não se deixe ludibriar pelos falaciosos argumentos de um populismo demagógico que propõe a distribuição de diplomas como se o ingresso no ensino superior fosse, ao mesmo tempo, o primeiro e o último passo daquele que pretende servir ao cidadão.

Facilitar o acesso ao ensino superior é preciso. Negar a conclusão dele a quem ainda não demonstrou possuir o conhecimento necessário aos parâmetros mínimos de avaliação é indispensável.

É preciso reconhecer a inescondível necessidade da adoção dos mecanismos modernos de políticas afirmativas a permitir a correção das barreiras inegáveis de acesso às oportunidades legítimas de conhecimento, que os erros históricos cometidos e reconhecidos pela própria sociedade ocasionaram ao longo do tempo, de molde a fazer com que a descoberta do conhecimento jamais receba o empeço da desvalia promovida pela reserva dos espaços de ensino apenas aos mais afortunados economicamente.

Especificamente no que diz respeito às profissões jurídicas, como são os casos da Advocacia, da Magistratura, da Promotoria e da Polícia Judiciária – cujas finalidades são servir a maior autoridade de todas em um Estado Democrático de Direito, que é o cidadão –, não podemos conceber, até por imperativo constitucional, o franqueamento do exercício de suas respectivas atividades, sem a submissão dos seus pretendentes à aferição do conhecimento alcançado durante bacharelado em Direito por meio de um concurso ou do Exame de Ordem.

É preciso deixar de lado a falácia populista e demagógica de que as Faculdades de Direito formam advogados – para que se tenha o compromisso com a verdade de reconhecer que elas formam bacharéis em Direito – que precisam da chancela de aferição do conhecimento mínimo atestado pelos mecanismos modernos e eficazes consubstanciados no Exame de Ordem e nos concursos públicos.

Se o compromisso da Ordem dos Advogados do Brasil não fosse a proteção do cidadão – supedaneada pela própria Constituição Federal (art. 133) –, jamais teria ela a preocupação de zelar pela qualidade dos bacharéis em Direito que pretendem exercer a Advocacia. Se, ao revés, o interesse dessa renomada instituição, que pertence tanto à Advocacia quanto à sociedade, fosse outro, qual seja, a elevação do número dos seus integrantes e do seu patrimônio material, já teria ela sucumbido aos favores assegurados pelo dinheiro fácil que a venda de ilusão trouxe àqueles que enriqueceram às custas do ludibrio de quem não tem condições de representar o cidadão na defesa dos seus direitos, porque ainda não conseguiram demonstrar serem possuidores do conhecimento mínimo necessário para tanto.

Desse modo, como o compromisso da Ordem dos Advogados do Brasil é com o cidadão, outro caminho não seguiremos senão aquele de conclamar e exigir de todos (sociedade e Estado) que compreendam que é dever do Estado, por meio de bons administradores, promover o fechamento das faculdades e universidades públicas ou particulares sem compromisso com a qualidade do ensino.

Afinal de contas, a quem interessa o exercício da Advocacia aos que não têm o conhecimento mínimo necessário para defender o cidadão em seus direitos? A quem pretende subjugar o cidadão impondo-lhe a sua vontade pessoal em desrespeito às regras estabelecidas no ordenamento jurídico vigente, talvez. Ao administrador cônscio do seu dever, jamais!

Por isso, cremos que todos – notadamente os governantes legitimamente eleitos em cada uma das esferas dos poderes constituídos e no âmbito de todos os entes federados – saberão conduzir suas ações pela defesa irrestrita do cidadão, por meio da promoção do fechamento das instituições de ensino descompromissadas com a qualidade e do atestamento da indispensabilidade do Exame de Ordem para o exercício da Advocacia e dos concursos públicos para as demais profissões jurídicas.

Caio Augusto Silva dos Santos

Presidente da OAB SP